quarta-feira, 14 de junho de 2017

26 livros de ficção com personagens LGBTs


Stella Manhattan – Silviano Santiago



Publicado originalmente em 1985, Stella Manhattan conta a história de Eduardo, um jovem carioca que, no final dos anos 60, embarca para Nova York para trabalhar no Consulado Brasileiro. É longe das habituais desavenças familiares que Eduardo encontra oportunidade para dar vasão à sua sexualidade conflituosa.
A obra gira em torno de dois temas complexos: política e erotismo. Logo de início o jovem aproxima-se do adido militar, Valdevinos Vianna, que aos poucos passa a confiar em Eduardo, expondo seus velados hábitos de vestir roupas de couro negro e sair pela noite novaiorquina em busca de experiências sadomasoquistas. Paralelamente, Eduardo acaba por se envolver com um grupo da esquerda brasileira clandestina. Com essa trama, Silviano Santiago mostra com maestria tanto os processos libertários da recente história brasileira, como também a americanização que o país passava, então.



Bom Crioulo – Adolfo Caminha



É considerado por alguns críticos o primeiro romance homossexual, não só da história da literatura brasileira, mas de toda a literatura ocidental. A narrativa descreve o envolvimento entre Amaro, um escravo fugido que, devido a sua boa forma física, consegue ser aceito na marinha e Aleixo, um jovem grumete.
Ao detalhar a vida amorosa do casal (e os conflitos que afloram desta relação), oscilante entre o trabalho no mar e o quarto alugado que habitam no subúrbio do Rio de Janeiro, Adolfo Caminha aborda temas ousados para a época (final do século XIX), como a homossexualidade em ambiente militar e sexo inter-racial.



Todos Nós Adorávamos Caubóis – Carol Bensimon



Ao estilo de On The Road, de Jack Kerouac, Carol Bensimon constrói em Todos Nós Adorávamos Caubóis uma narrativa em forma de road novel (literatura de estrada).
A história gira em torno do reencontro de duas amigas que há algum tempo deixaram o Brasil. Cora estuda moda em Paris, enquanto Julia vive em Montreal.
Após alguns anos vivendo no exterior, as duas voltam à sua terra natal e resolvem pôr em prática um projeto antigo: fazerem juntas uma viagem de carro pelo interior do Rio Grande do Sul. As personagens vagam forasteiras na própria terra onde nasceram, em uma espécie de busca por autoconhecimento. Deste contexto evidencia-se um envolvimento cuja definição atravessa a tênue fronteira entre amizade e afeição amorosa.



Uma Casa no Fim do Mundo – Michael Cunningham



Em Uma Casa no Fim do Mundo, Michael Cunningham põe à prova os conceitos tradicionais de lar, família e comunidade para sondar os mistérios mais profundos de nossas fidelidades e vicissitudes. Este romance conta a história de Jonathan Glover e Bobby Morrow, amigos desde os treze anos; Jonathan, solitário, introspectivo e pouco seguro de si; Bobby, tranquilo, enigmático e nada comunicativo. Ambos procedem de lares com problemas e juntos encontram a solidez e a solidariedade da qual carecem.
Com o passar do tempo, Jonathan muda-se para Nova York para estudar jornalismo. Bobby segue vivendo em Cleveland, matricula-se em um curso de gastronomia e, após algumas tragédias, passa a morar com os pais de Jonathan.
Os dois rapazes se reencontram quando, anos mais tarde, Bobby é “jogado para fora do ninho” e vai em busca de Jonathan em Nova York. É quando conhece Claire, com quem o amigo divide apartamento. Logo uma intensa cumplicidade faz com que o trio estabeleça uma atípica relação e resolva viver o sonho de dias melhores na emblemática Woodstock.



Morte em Veneza – Thomas Mann



Um escritor de meia-idade, Gustav von Aschenbach, resolve viajar à Veneza para espairecer após certo insucesso de suas últimas publicações. Lá acaba desenvolvendo um amor platônico por um jovem polaco de extrema beleza (Tadzio) que encontra em seu hotel, no Lido. Este é o enredo de Morte em Veneza, livro de Thomas Mann, publicado originalmente em 1912.
Apesar de falar sobre uma paixão homoafetiva, isso ocorre de modo unilateral, tendo em vista que o contato entre os personagens é apenas idealizado, eles sequer chegam a exercer algum diálogo.
Independente das circunstâncias, Aschenbach resolve permanecer em Veneza mais do que o planejado, ignorando até mesmo o tempo quente e úmido que prejudica sua saúde e o alarde de uma epidemia de cólera que assola a cidade. Tudo para estar próximo de Tadzio.
Como de costume, Thomas Mann, incorpora elementos filosóficos à sua obra. O jovem Tadzio representa um ideal de beleza. O que Aschenbach vê em Tadzio é a imagem narcísica do sonho de beleza que ele mesmo anseia alcançar. Tal estética, em forma de erotismo, remete à perfeição que Aschenbach não encontra em si, nem em sua arte.
Por fim, como o próprio título do livro anuncia, o personagem principal acaba morrendo sem ter consumado seu amor platônico.



O Beijo da Mulher Aranha – Manuel Puig



O Beijo da Mulher Aranha, livro do argentino Manuel Puig, conta a história de dois homens, companheiros de cela, durante a ditadura militar. Um deles, Valentín, preso político de esquerda, heterossexual e, o outro, Molina, um homossexual acusado de corrupção de menores. Embora sejam pessoas muito diferentes, os dois são vítimas da violência de um mesmo regime e, na medida em que vão se conhecendo, passa a surgir uma relação de respeito mútuo. Ambos despem-se de preconceitos e revelam um ao outro suas faces mais humanas. Uma história sobre política e cumplicidade.



Simon vs. a Agenda Homo Sapiens – Becky Albertalli



Simon é um adolescente gay, ainda em conflito com sua sexualidade, que, ao trocar e-mails cheios de afeto com o enigmático Blue, percebe-se a cada dia mais apaixonado. É por causa disso que passa a ser chantageado por Martin, que descobre suas conversas virtuais e promete compartilhar a informação com toda a escola, forçando-o a “sair do armário”.
Este, que é o livro de estreia da autora Becky Albertalli, trata de forma leve e descontraída muitos dos dilemas comuns ao público jovem. Uma história sobre a difícil tarefa de amadurecer frente a um mundo que constantemente põe à prova qualquer expressão de subjetividade.



As Fantasias Eletivas – Carlos Henrique Schroeder



Renê, recepcionista noturno de um hotel em Balneário Camboriú, desenvolve uma relação de amizade com Copi, uma transsexual, garota de programa, afeita às artes de escrever e fotografar. Esse é o ponto de partida para a trama de As Fantasias Eletivas, do escritor catarinense Carlos Henrique Schroeder.
Mergulhados em solidão e em suas tragédias cotidianas, os dois personagens tateiam um no outro evidências de suas experiências machucadas. Muito mais que as ações, de fato, o que estrutura o enredo desta obra é o passado expresso por via de inúmeras fantasias eletivas, vulgo lembranças.



Carol – Patricia Highsmith



O cenário é a cidade de Nova York. Therese Belivet tem 20 anos, namora um rapaz por quem não está apaixonada, sonha em ser cenógrafa, mas, para juntar dinheiro e estudar, precisa manter seu trabalho desgastante como vendedora numa loja de brinquedos. Tudo em sua vida muda quando uma mulher mais velha (Carol) resolve comprar uma boneca para a filha.
Considerado o primeiro romance a abordar uma relação amorosa entre mulheres com um final feliz, este livro foi publicado pela primeira vez na década de 50, com o título original “The Price of Salt” e sob o pseudônimo de Claire Morgan.



A Virgem dos Sicários – Fernando Vallejo



A Virgem dos Sicários é o livro mais famoso do escritor colombiano Fernando Vallejo. Mesclando ficção e traços autobiográficos, Vallejo alterna imagens da Medellín de sua infância em contraste à Medellín dos anos 90, tomada pela violência urbana e pelo tráfico de drogas.
O fio condutor da história é o relacionamento do narrador (Fernando) com Alexis, um dos muitos assassinos de aluguel (sicários) contratados pelo narcotraficante Pablo Escobar para exterminar inimigos políticos. Acompanhado por seu belo sicário, Fernando preenche os dias visitando igrejas e as noites fazendo amor. Um retrato polêmico de um país em ponto de ebulição.



Ilusões Pesadas – Sacha Sperling



O precoce (e prodígio) Sacha Sperling publicou este que é seu livro de estreia quando completava apenas 18 anos e foi aclamado pela crítica francesa.
Ilusões Pesadas dá voz a uma geração angustiada, com imensa dificuldade em encontrar um sentido para a vida. O personagem Sacha (homônimo ao autor) expõe suas experiências juvenis regadas a álcool, drogas e a prática de sexo em sua forma mais trivial. Envolvido pela recorrente sensação de tédio, característica de uma juventude inquieta, é ao conhecer o desajustado Augustin que Sacha entrega-se cegamente à efemeridade dos prazeres instantâneos.
Com um texto fluído, empático e que exala poesia, Sacha Sperling ensaia ser um dos expoentes da literatura francesa contemporânea.



O Terceiro Travesseiro – Nelson Luiz de Carvalho

Publicado pela primeira vez nos primórdios dos anos 2000, época em que a oferta de livros com temática homoafetiva era ainda escassa no Brasil, O Terceiro Travesseiro logo tornou-se best seller e marcou uma geração de leitores desejosos de verem seu cotidiano representado na literatura.
O romance se baseia em uma história real, onde o personagem Marcus envolve-se com seu melhor amigo, Renato, e, assim, os dois são compelidos a enfrentarem os dilemas costumeiros a respeito de assumir aspectos destoantes da sexualidade perante uma sociedade conservadora. Tudo fica ainda mais complexo quando surge uma personagem feminina para compor um trio amoroso e pôr em pauta o tema da bissexualidade.
O livro também aborda questões polêmicas que são explicitamente descritas em algumas cenas, como, por exemplo, a prática do fetichismo.



Fabián e o Caos – Pedro Juan Gutiérrez



Baseado nas memórias de juventude do escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez, Fábián e o Caos forma um retrato de Cuba, sob a perspectiva das pressões sofridas por aqueles que não compartilhavam dos valores instituídos pelo regime castrista.
São extremamente antagônicos os perfis da dupla de personagens que conduzem a história. O protagonista Fabián, homossexual, sensível e introspectivo acaba por contrastar com seu amigo Pedro Juan, rebelde, libertino e sedutor. Porém, pouco a pouco, percebe-se que a relação de amizade entre eles e a dissidência política perante o governo faz com que se tornem semelhantes.
A trama ocorre em dois períodos: pré-revolução e pós-revolução cubana. Assim, os personagens, após certo período de afastamento, reencontram-se quando são levados a trabalhar em uma fábrica de enlatados, trabalho este destinado aos párias do regime.
Pedro Juan Gutiérrez, conhecido por seu Trilogia Suja de Havana, compõe aqui um romance visceral, repleto de cenas de um sexo sujo e depravado e permeado por latentes questionamentos existenciais.



O Lugar sem Limites – José Donoso



Ambientado em um pequeno vilarejo próximo ao deserto do Atacama, este que é um dos livros mais emblemáticos do chileno José Donoso, conta a história de Manuela, uma travesti que junto com sua filha, Japonesita, é dona do único prostíbulo da localidade.
Quando Manuela chegou a El Olivo, não imaginava que fosse permanecer por ali. Aconteceu que Don Alejo, homem de enorme influência, fez uma aposta com Japonesa Grande. Caso ela conseguisse seduzir Manuela, o prostíbulo, que até então era dele, passaria a ser dela. Para surpresa de todos, o poder de sedução de Japonesa Grande funcionou e da relação entre ela e Manuela, nasceu Japonesita. Tempos depois, Japonesa Grande veio a falecer, deixando, assim, o prostíbulo como herança para Japonesita e Manuela.
Escrito na década de 60, este livro foi pioneiro ao tratar questões de gênero tão claramente, elemento que, combinado à uma prosa vigorosa e original, acabou coroando José Donoso como um dos principais escritores do chamado boom latino-americano, corrente literária que projetou mundialmente nomes como Julio Cortázar, Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez.



O Auriga – Mary Renault

Escrito em 1953, O Auriga narra a aproximação de três jovens em meio aos bastidores dos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial. Laurie, em um leito de hospital, recupera-se de um ferimento que quase o levou à morte. É assim que conhece Andrew, um pacifista que, por se recusar a ir a guerra, é preso e levado a executar trabalhos forçados. Ainda há o reencontro com Ralph, amigo de infância, a quem Laurie nutria grande adoração.
De forma impecável, Mary Renault compõe o perfil psicológico destes personagens, imersos em medo e incertezas. Mesmo diante do desequilíbrio emocional causado pela experiência da guerra, o que se sobressai é o estímulo à solidariedade, o respeito pela vida e pela capacidade de amar.



Eu sou uma lésbica – Cassandra Rios



Cassandra Rios foi a primeira escritora brasileira a atingir a soma de um milhão de exemplares vendidos. Grande parte de seus livros tornaram-se best sellers nas décadas de 60 e 70, sendo que das suas quarenta e tantas publicações, mais de trinta sofreram algum tipo de censura. Isso se deu pelo fato de sua obra abordar predominantemente a temática do lesbianismo.
Para compreender a dimensão do alvoroço que surgia em torno de seus livros, basta imaginar um cenário pré-contracultural, onde não havia imagens de nudez, a não ser em livros de medicina e onde a exibição de seios só ocorria em documentários sobre índios... tudo era tabu. Foi neste sentido, o sexual, que a literatura de Cassandra Rios educou uma geração.
Porém, a polêmica não se instaurava apenas em decorrência do sexo por si só. Em alguns casos, como, por exemplo, em “Eu sou uma lésbica”, Cassandra colocava em pauta assuntos como fetichismo e até mesmo dava a entender que determinadas personagens flertassem com a prática de pedofilia.
Eu sou uma lésbica” retrata a iniciação sexual da jovem Flávia com uma vizinha, amiga de sua mãe. A própria protagonista é quem narra a história e descreve em detalhes a satisfação que sente por estar com uma mulher mais velha. Há cenas em que Flávia masturba-se com um sapato. Em outras cenas a menina imita um gato e ludicamente brinca de lamber a vizinha.
Polêmicas à parte, a obra de Cassandra Rios ainda não é significativamente estudada em meios acadêmicos. E os milhares de livros vendidos em décadas passadas, na atualidade, sumiram das livrarias. Encontrar alguma obra dela, até mesmo em sebos, é verdadeiro arroubo de sorte.



Homens Elegantes – Samir Machado de Machado



A sofisticação que Samir Machado de Machado consegue alcançar em Homens Elegantes é algo ímpar na literatura brasileira. Uma narrativa com traços pós-modernos, capaz de mesclar os mais variados gêneros e referências e, ainda assim, estabelecer uma história coesa e bem amarrada. Batalhas náuticas, lutas de capa e espada, espionagem, perseguições, piadas obscenas, alusões à cultura pop, tudo isso ajuda a compor uma atmosfera caleidoscópica.
A narrativa é conduzida pelas peripécias do personagem Érico Borges, fiscal de alfândega brasileiro e veterano de guerra, que é convocado a assumir a missão de viajar a Londres para investigar o contrabando de livros eróticos para o Brasil. Neste contexto, o leitor é levado a uma imersão no cotidiano da sociedade europeia de 1760, sobretudo em seus aspectos mais libidinosos. Com pesquisa histórica impecável e riqueza de detalhes, Samir Machado reconstitui a cena LGBT do século XVIII em pleno núcleo de um dos centros nervosos do Iluminismo.
Uma narrativa gostosa e despretensiosa, que dispõe-se a entreter, mas que, porém, traz consigo uma vasta dose de conhecimento.



Meia-noite e vinte – Daniel Galera



Em meio a uma onda de calor abrasadora e a uma greve de ônibus que paralisa a cidade, três amigos se reencontram em Porto Alegre. No final dos anos 1990, eles haviam incendiado a internet com o Orangotango, um fanzine digital que se tornou cultuado em todo o Brasil. Agora, quase duas décadas depois, a morte do quarto integrante do grupo acaba por reaproxima-los.
A história é narrada alternadamente pela ótica dos três amigos: Antero, Aurora e Emiliano. Assim como em seus livros anteriores, Daniel Galera mostra-se habilidoso em compor o universo psicológico dos personagens. Cada qual com seus dilemas e pulsões.
É na perspectiva de Emiliano que a temática da homossexualidade é abordada, porém de forma original, sem o estereótipo do gay efeminado. Em conflito com sua latente atração por homens, Emiliano descreve seus hábitos de flertar com caras evidentemente heteros, até que estes reajam com violência. Deste modo, o desejo sexual é recalcado através do contato físico da luta corporal. Lutas as quais, inclusive, Emiliano, em grande maioria das vezes, sai vitorioso, graças a seu porte corpulento e viril.
Além disso, a obra expõe uma série de questões extremamente atuais: black blocs, aborto, feminismo, tecnologia, consumo virtual de conteúdo pornográfico, aquecimento global, etc.
O retrato de uma época recente, que se desvanece vertiginosamente diante da liquidez de tempos pós-modernos.



Minha Metade Silenciosa – Andrew Smith



Em Minha Metade Silenciosa, Andrew Smith compõe um romance aos moldes de Extraordinário, de R. J. Palacio, porém abordando assuntos muito mais duros, como, por exemplo, violência doméstica, abuso sexual, drogas, etc.
Stark McClellan (apelidado de Palito, devido a seu porte demasiadamente magro) sofre bullying por ter nascido com a ausência de uma das orelhas. Como se isso já não fosse o bastante, Stark vive em um lar hostil onde os pais costumam castigar violentamente a ele e seu irmão mais velho, Bosten.
Diante das dificuldades cotidianas e da latente sensação de falta de afeto, Stark encontra na amizade e no carinho do irmão, que sempre o protege, o apoio e a referência de amor necessários para seguir em frente.
Em certo momento, o pai descobre um segredo de Bosten, que é forçado a ir embora de casa. Assim, Stark precisa ir em busca do irmão. A multiplicidade de situações a que os dois garotos são submetidos dentro da trama, apresenta-se como uma espécie de ritual de passagem rumo ao amadurecimento.
Um livro amargo, realista e extremamente arrebatador.



Nossos Ossos – Marcelino Freire



Primeira narrativa longa do renomado contista Marcelino Freire, Nossos Ossos conta a história de Heleno, um dramaturgo que atravessa o Brasil com o corpo de um garoto de programa, para que este tenha um enterro digno junto à sua família no interior de Pernambuco. A provável motivação para que Heleno cumpra com tal ato de beneficência, seja talvez os pontos convergentes na trajetória dos dois personagens: a vertigem de quem empreende tentar a vida na grande São Paulo; a sofreguidão cotidiana da luta por sobrevivência; a solidão e o anonimato de quem dissolve-se na multidão de uma metrópole.
O romance de Marcelino Freire dispõe um mosaico de personagens característicos à noite paulistana (michês, travestis, prostitutas, policiais) e retrata com intenso realismo o êxodo rural, há décadas, recorrente no país.



Garoto encontra garoto / Dois garotos se beijando / Will & Will / Todo dia – David Levithan



Se há um autor que não demonstra se importar com rótulos, este é David Levithan. Autor de obras que ganham cada vez mais destaque na literatura juvenil, Levithan especializou-se em abordar de forma leve e simples questões referentes à homossexualidade.
No Brasil, seus livros mais conhecidos são Garoto encontra Garoto, Dois garotos se beijando, Todo dia e Will & Will (escrito em parceria com John Green).



O Preço de Ser Diferente – Mônica de Castro



O Preço de Ser Diferente foi uma das primeiras obras a analisar, por via de narrativa ficcional, a homossexualidade à luz da doutrina espírita.
Ao narrar a história do jovem Homero, Mônica de Castro apresenta ao leitor os costumeiros dramas vivenciados por LGBTs: desavenças familiares, dificuldade de aceitação, preconceito, mas, não obstante, mostra também a solidariedade, a esperança e a luta cotidiana daqueles que buscam uma vida digna e feliz.
Preparem os lenços, pois este é o tipo de livro que arranca lágrimas até mesmo do leitor mais empedernido.



Toque de Veludo - Sarah Waters



Ambientado na Inglaterra vitoriana, Toque de Veludo narra a história da jovem Nancy Astley, que sai de sua pequena cidade para trabalhar em Londres como camareira de uma dançarina (Kitty Butler) por quem tacitamente acaba se apaixonando. Logo as duas se tornam amantes e formam uma dupla nos palcos. Tempos depois, Nancy é abandonada por seu grande amor e encontra nas ruas um lugar onde viver suas fantasias. É aí que muitas reviravoltas passam a acontecer.



A Linha da Beleza – Alan Hollinghurst



A Linha da Beleza, do inglês Alan Hollinghurst, é uma obra de difícil definição. Trata-se de um mosaico de elementos que remontam a atmosfera europeia da década de 1980, sobretudo de uma Inglaterra emblemática e efervescente. A narrativa é permeada por temas como: o modelo político de Margaret Tatcher; o contraste entre o conservadorismo social e o desencadeamento de um processo de revolução sexual; a busca por ascensão econômica; a cena gay londrina em seu ritmo frenético e entorpecido; o erotismo cintilante; a sombra da AIDS, etc.
Este, que é o quinto romance da carreira de Hollinghurst, é a espécie de obra digna de releituras. Um livro excitante e vertiginoso.



A Moça de Copenhague (A Garota Dinamarquesa) – David Ebershoff

A Moça de Copenhague, do escritor americano David Ebershoff, ficou ainda mais conhecido devido à sua adaptação para o cinema, em 2015. Baseado em fatos reais, o livro reconstrói a história de Lily Elbe, apontada como a primeira transexual da história a fazer cirurgia de redesignação sexual. Na Europa dos anos 1920, vivendo até meia-idade como Einar Wegener, para encontrar sua verdadeira identidade, Lily teve a sorte de contar com o apoio não apenas de um médico pioneiro, mas também de uma mulher brilhante, generosa e apaixonada, sua esposa Greta. Num momento em que o debate a respeito das questões de gênero se faz cada vez mais urgente, livros como este evidenciam-se como leitura de valor inestimável.



Giovanni – James Baldwin


Giovanni é a história de um caso de amor que contém todas as suas alegrias, angústias e crises de esfriamento. Entretanto, este não é um drama comum. Retrata brilhantemente a personalidade de um homem dividido entre uma paixão homossexual intensa e trágica e um amor alegre e desprendido por uma mulher. A partir do encontro e da atração entre um jovem italiano e um americano, em Paris, o livro descreve a vida marginal que eles ali buscavam, inseridos num turbilhão de perplexidade e de desestruturação existencial que tentavam superar.
Escrito pelo afro-americano James Baldwin, na década de 1950, bem antes dos direitos dos homossexuais serem amplamente defendidos nos Estados Unidos, Giovanni é um marco de representatividade LGBT na história da literatura.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

¿Dónde está el comunista?



 

Había acabado el último trago de whisky cuando fui a la ventana y ví el auto de DOPS parado abajo. Dejé el vaso vacío sobre la mesita ratona y desde el medio de la sala pude oír la puerta de rejas del ascensor abriendo y cerrándose afuera. Sonó el timbre y luego de un largo silencio un golpe derrumbó la puerta. Tres hombres de traje negro y armas en las manos invadieron el departamento.


Conocí a Pedro una tarde soleada en el campus de la universidad. Yo estaba sentado en el pasto y tenía un libro viejo y de tapa amarillenta en las manos: sonetos de García Lorca. Pedro estaba a poca distancia y de frente a mí, recostando la cabeza sobre el tronco de un árbol. Me miraba constantemente al punto de perturbarme. Discretamente guardé el libro en la mochila. Él, anticipando mi partida, esbozó una sonrisa y con el rostro de lado me preguntó: “¿Conoces a Maiakovsky?”. Respondí que no y me fui. No percibí maldad en su voz ni en sus ojos pero eran tiempos difíciles.

La segunda vez que lo vi fue algunos días después. Las calles estaban movilizadas pero en relativa normalidad. Había pasado por el mercado de la esquina a comprar frutas, cigarrillos y el diario y fue frente al edificio de mi casa qué mientras buscaba las llaves entre las bolsas oí un disparo no muy lejos de ahí. Todo el mundo empezó a correr. Escuché gritos y aparecieron hombres a caballo arremetiendo contra la multitud. Piedras por los aires, humo, estruendos y pedazos de madera esparcidos por el suelo. Incluso volaban canicas. Fue, en medio de todo eso, que Pedro apareció. “¡Por favor, déjame entrar!”. Llevaba el pelo desarreglado y unos lentes oscuros. “¡Vamos! No hay tiempo para explicaciones, abre la puerta!”. Mientras subíamos sonaron algunos disparos mas. Al llegar al departamento se recostó en el sofá. Preferí no preguntar por lo ocurrido. Abrió el periódico que estaba en una de las bolsas y señaló, como si nada, una receta de torta de ananá que se encontraba en la plana central.

Desde aquel día en adelante pasé a ver a Pedro mas seguido. Me visitaba generalmente durante la noche. Conversábamos y bebíamos alguna cosa mientras él tocaba la guitarra. Recuerdo que cierta vez me comentó su voluntad de estudiar veterinaria en lugar de filosofía. Digamos que Pedro era… un chico demasiado interesante, de un tipo específico que ya tiene su opinión formada sobre todo y, además, un humor espectacular –lo que hacía nuestras noches mucho mas alegres-. Siempre que lo esperaba miraba el cielo a través de la ventana. La mayoría de las veces cocinaba antes y dejaba lista la cena pero hubo un día que lo esperé y ya no apareció. Espere hasta tarde y nada. Intenté imaginar donde pudiese buscarlo pero entendí que no era posible. Pues no sabía siquiera donde era su casa y por la universidad no lo había vuelvo a ver. Si bien conocía su costumbre de mirar fijamente el techo antes de dormir o la metódica forma en que balanceaba una copa de vino antes de tomar o la manera desencajada en que bailaba Great balls on fire, no sabía cómo encontrarlo pues siempre él venía hacía mí. Esperé al siguiente día, al siguiente, al siguiente del siguiente y nada. En cada calle que caminé mis ojos buscaban los de él. Aún así nunca más lo vi.


“¿Dónde está el comunista?” decían mientras lo revolvían todo con violencia. Uno de ellos me agarró del brazo y me arrojó contra el sofá. “¿Dónde está él? ¡Hable ahora!”. Entonces vino el puñetazo. Me desmayé y no desperté hasta estar completamente solo, sangrando por la sien.

Los muebles tumbados, la tapa de la mesa sobre la alfombra y un silencio enloquecedor pegando contra todo a la vez. Llevé mi mano a la cara y sentí la viscosidad de la sangre entre los dedos. Seguía mareado y todo se tornó confuso. Pero fue allí, en la curva de aquel instante, que percibí que ellos nunca encontrarían lo que estaban buscando. Con la misma certeza de la cicatriz dejada en mi rostro supe que Pedro estuvo allí todo el tiempo. Dentro de mí.


by Daniel Costa Braga
Traducción: Rodrigo Márquez
 


Versão original publicada em:
BRAGA, Daniel Costa. Onde está o comunista? In: BRASIL, Luiz Antonio de Assis (Org.). Pedra, Papel e Tesoura: Contos de Oficina 38. Porto Alegre: Bestiário, 2008. p. 25-27.

terça-feira, 24 de março de 2015

 
Uma vez eu dividi apartamento com um garoto que cantava Sidney Magal embaixo do chuveiro. Não importava o estado de ânimo, se estava alegre ou triste, se era inverno ou verão, o repertório não mudava. Seguido ao barulho do chuveiro, do vapor que saia por baixo da porta, do perfume suave e adocicado de sabonete, logo se ouvia uma voz grave cantarolando Tenho / um mundo de sensações / um mundo de vibrações / que posso te oferecer.

Houve então um dia em que fomos a um karaokê. E a música escolhida por ele foi a mesma. O peito estufado, a voz firme de barítono, um sorriso de ponta a ponta, fez todo mundo parar para vê-lo cantar. E o garçom trouxe até um drinque ofertado por alguém que assistia e se encantou com a performance. Mal sabiam que tudo aquilo vinha sendo ensaiado, pacientemente, todos os dias sob pingos vaporosos. Hoje, quando sinto saudades dele, escuto a canção.

Na maioria das vezes em que estou lendo algum romance, tenho o hábito de imaginar alguém que conheço como se fosse os personagens. E isso é esquisito, porque toda vez que olho para um amigo específico, enxergo a Macabéa. Tenho também convicção de que Daniel Galera se inspirou em uma outra amiga para criar Anita van der Goltz Vianna, do livro “Cordilheira”.

De um antigo amor, herdei o gosto por Guns N'Roses. E semeei o gosto por Caio Fernando Abreu.

Tive uma colega de trabalho que não tomava nada alcoólico e pedia sempre suco de goiaba quando ia com a galera pro barzinho.

O perfume Thaty, do O Boticário, será sempre o cheiro da minha mãe. E a música La Mer, do Ray Conniff me fará sempre lembrar dela dançando com a vassoura enquanto faxinava.

Saias de tule, canja e garrafas de absinto eternamente terão o poder de me transportar a situações engraçadas que tive o prazer de vivenciar.

Assim como, até hoje, sou capaz de fechar os olhos e sentir o sabor do bolo do meu aniversário de 25 anos, o que me faz lembrar de todas as pessoas que estiveram comigo naquele dia.

Há ainda os amigos que não possuem conexão alguma com coisas que, mesmo assim, me fazem lembrar deles. Quando escuto Amy Winehouse, por exemplo, me vem à cabeça lembranças de uma grande amiga que atualmente é cristã fervorosa e nada tem a ver com a Amy (talvez os trejeitos, ou nem isso).

Há também inúmeras pessoas e situações que, talvez por estarem tão inconscientemente inscritas e fazerem parte do cotidiano, é inviável representá-las em forma de objetos ou qualquer outra coisa que não seja abstrata. Estas repousam no escaninho dos afetos indizíveis e das experiências inarráveis. E, nem por isso, menos importantes.

Saudosamente olho ao redor e, de um simples exercício de reflexão, emerge a compreensão de porquê tantas coisas acumuladas, e tidas como extensão daquilo que sou. Livros ao lado da cama, discos, cartas, dedicatórias, fotografias, anotações em guardanapos amassados, papel de bombom, tampa de garrafa, conchinhas, folhas secas, vidros de perfume. Em maior ou menor grau, todas representam algo que serve de acalanto. Um relicário.

Em contrapartida, como forma de evitar as más recordações, já rasguei muitas fotografias, já doei muitos livros para o sebo e fujo de muitas melodias. Ainda que, tais coisas, em determinadas ocasiões, persistam em latejar.

Vejo o horizonte enegrecido e estou quase certo de que irá chover.